quinta-feira, 10 de outubro de 2024

A divindade de Jesus: nos Sinóticos e em João

Há algum tempo, troquei mensagens com um amigo judeu sobre a divindade de Jesus. Sintetizo um de seus argumentos centrais: a ideia de Jesus como divindade não é apresentada nos Evangelhos Sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas). Apenas o Evangelho de João daria "sinais de divindade" a Jesus.

O texto abaixo não pretende ser exaustivo, mas sintetizar aquela que foi minha resposta a ele e oferecer alguns insights.

Esse tipo de conceito recebe o nome de cristologia baixa (nos Sinóticos) versus cristologia alta (em João).

Entretanto, discordo dessa ideia de que os Sinóticos apresentam uma cristologia baixa, ou seja, a de que Jesus, para Mateus, Marcos e Lucas, não era Deus encarnado, mas um messias humano pouco acima de um profeta.

A divindade de Jesus é mais clara e evidente em João porque ele é mais tardio e foi disseminado num momento em que os outros três já haviam circulado amplamente entre as comunidades cristãs da época. Além disso, João viu a necessidade de oferecer algumas explicações aos dizeres e acontecimentos dos Sinóticos e, também por ser mais tardio, não repisou as mesmas coisas; antes, decidiu contar outros fatos e histórias que os outros três não tinham abordado. Ponho isso na conta da revelação progressiva.

Revelação progressiva

Nos Sinóticos, a revelação da divindade de Jesus é construída. Vai num crescente, especialmente em Marcos, que é o primeiro. Não é ambígua, sutil ou indireta. É argumentada, construída. Eles estão escrevendo a uma comunidade que está sendo ensinada. João foi escrito cerca de 25 anos depois dos Sinóticos. Essa ideia já estava consolidada entre os cristãos. Ele sentiu-se à vontade para ser mais explícito. Quem consolidou essa ideia? Quem espalhou isso na comunidade cristã antes da literatura joanina? Ora, por dedução, Paulo e os Sinóticos. Isso é revelação progressiva.

João está escrevendo a judeus e prosélitos, não necessariamente a cristãos. Portanto, ele está argumentando à comunidade judaica uma ideia que na comunidade cristã já estava consolidada: Jesus é o Messias, o Filho de Deus (Jo 20:30-31). Ele está tentando convencer judeus de algo que entre cristãos já era pregado e crido.

Divindade nos Sinóticos

Nos trechos abaixo, não há ambiguidade sobre a natureza divina do Nazareno.

Jesus se identificou como Adonai (Mt 22:41-45; Mc 12:35-37). Afirma ter autoridade para perdoar pecados (Mt 9:6), algo que só Deus poderia fazer. Mateus usa um trecho do Antigo Testamento para se referir a Jesus como "Deus conosco" (Mt 1:23). João vai "adiante do Senhor" (Lc 1:17). Isabel se refere a Maria como a "mãe do meu Senhor" (Lc 1:43). Os anjos, ao anunciarem o nascimento de Jesus aos pastores, se referem a Ele como "Cristo, o Senhor" (Lc 2:11).

A base sobre a qual se erguem os Sinóticos é a expressão "Filho de Deus". É assim que Jesus é apresentado (Mc 1:1), reconhecido (Mt 16:16) e por isso Ele é condenado pelo Sinédrio (Mc 14:61-64). Apesar de não ser um Sinótico, o fato de João expressar que esse termo traz embutido a ideia de "fazer-se igual a Deus" (Jo 5:17-18) mostra que naquela cultura, para aqueles judeus, Jesus estava se apresentando e sendo reconhecido como igual a Deus.

Jesus foi crucificado por Roma, mas a pedido do Sinédrio. A relutância de Pilatos é, em parte, evidência de que Roma não o via necessariamente como um revolucionário perigoso, não como via zelotes, por exemplo. Os casos no NT em que a liderança judaica se ofendeu com as alegações divinas de Jesus mostram que para o Sinédrio, pelo menos, Jesus era visto como alguém que alegava ser igual a Deus (Jo 5:18; Jo 8:58-59; Mc 2:2-12; Mt 12:8; Lc 5:34-35; Mc 14:61-64).

Além disso, os milagres de Cristo sobre a natureza (multiplicar pães - Jo 6:6-13; Mc 8:1-9 - a pesca milagrosa - Lc 5:4-11 - e em especial acalmar a tempestade - Mc 4:37-41, 6:51; Lc 8:22-25 - etc.) são claras teofanias, tentativas dos evangelistas de associar Jesus a mais que um profeta.

Desta forma, os Evangelhos Sinóticos oferecem uma construção gradual e argumentada da divindade de Jesus, de forma que a sua natureza divina não é menos presente do que no Evangelho de João, apenas revelada de maneira progressiva. João, por ser um evangelho mais tardio, pôde ser mais explícito em sua cristologia, enquanto os Sinóticos apresentam essa revelação da divindade de Jesus de forma construída, visando preparar suas comunidades para a plena compreensão da identidade de Jesus. A ideia de "cristologia alta" e "cristologia baixa" simplifica um processo teológico que, nos Sinóticos, é claro e intencional. Portanto, a divindade de Jesus está presente em todos os evangelhos, embora com abordagens diferentes conforme o contexto e o público-alvo de cada um.

Imagem: pexels

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